São Paulo – O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) iniciou na última segunda-feira (6) uma campanha contra a influência das operadoras de planos de saúde nas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em pedidos judiciais de tratamentos médicos. Para o instituto, a criação do Núcleo de Apoio Técnico e Mediação, composto pela agência reguladora do setor e representantes das empresas, pode prejudicar os consumidores que recorrem ao judiciário.
O núcleo foi criado em abril, respondendo a Recomendação 36, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, que pede mais eficiência dos tribunais na solução de processos que envolvem a assistência à saúde. É composto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) e a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
O objetivo do núcleo é agilizar a análise dos pedidos e a oferta de propostas de conciliação entre consumidores e operadoras de planos de saúde, em caso de processos que requisitem tratamentos negados pelas empresas. As respostas devem ser emitidas em até 24 horas. O grupo também poderá auxiliar tecnicamente os juízes no exame dos pedidos, quanto a sua legalidade e urgência.
Para a advogada do instituto, Joana Cruz, esse modelo coloca os planos em vantagem sobre o pleito do consumidor. “Vamos ter as operadoras e a ANS colocando para o juiz se aquele procedimento pedido pelo consumidor deve ou não ser coberto. Outro problema é que no processo tanto consumidor quanto o plano de saúde têm um advogado. Agora, com o núcleo, a operadora vai ter mais um representante dela e a ANS, que defende posições muito semelhantes às das operadoras. O consumidor vai ser prejudicado”, afirmou.
Processos desse tipo, por tratarem de questões relacionadas à saúde e à vida, devem ser analisados com urgência, normalmente tendo decisões em caráter provisório (liminar). Em boa parte dos casos, os juízes concedem liminar em favor dos pacientes, depois analisam se essa decisão foi correta, podendo determinar o pagamento do procedimento. “O parecer do núcleo vem antes dessa decisão. E isso pode ser muito perigoso”, afirmou Joana.
A advogada do Idec defendeu que um núcleo para propor acordos em um prazo curto de tempo seria muito interessante, mas não dentro do poder judiciário. “A proposta de solução em 24 horas deve, sim, ser aplicada, mas em caráter extrajudicial. Quando o consumidor procura a ANS ou o Procon para reclamar, seria muito bom que ele tivesse resposta da operadora, ou proposta de conciliação, nesse tempo. Mas isso não acontece. Muitas vezes as operadoras nem comparecem às audiências no Procon. E por isso o paciente vai à justiça”, explicou.
O Idec criou uma petição em sua página na internet para colher assinaturas da população contra o núcleo. O documento será encaminhado ao presidente do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini. De acordo com o instituto, “o histórico de
violação de direitos
por parte das operadoras, a excessiva inércia e permissividade da ANS envolvendo problemas com operadoras e o visível conflito de interesses, já que as operadoras, que são Rés nos processos, poderão opinar se o caso do paciente é urgente ou não” evidencia a inadequação do núcleo.
Entre os associados do Idec, os planos de saúde representam o setor com mais problemas na relação entre consumidor em empresa. Por três anos seguidos – 2012, 2013, 2014 – as operadoras figuraram no topo da lista. As principais reclamações são quanto a reajustes abusivos, negativa de cobertura – inclusive partos e exames médicos – e o descredenciamento de profissionais. No ranking de reclamações da Agência Nacional de Saúde Suplementar, os 15 planos mais denunciados pelos consumidores somaram 18.417 queixas, apenas entre dezembro de 2014 e maio deste ano.
Em nota, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu que “a independência e a liberdade do magistrado será sempre respeitada” e que o apoio técnico do núcleo se dará mediante solicitação do juiz. O TJ-SP negou que a existência do núcleo possa favorecer os planos de saúde, alegando que as representantes das operadoras “atuarão na tentativa de fazer acordo”. “Os advogados dos autores (consumidores) avaliarão se a proposta de acordo deve ou não ser aceita; desta forma, o consumidor já estará representado por seu advogado”, explica o documento.
Por fim, a instituição informa que “qualquer instituição poderá acompanhar os trabalhos” do núcleo e que não haverá atrasos na análise dos processos.
por Rodrigo Gomes, da RBA