O número de ações judiciais contra planos de saúde vem crescendo no Estado de São Paulo de forma preocupante, revela estudo da USP (Universidade de São Paulo).

Em 2011, o total de ações na primeira instância somava 2.602. Em 2016, aumentou 631%, saltando para 19.025, aponta a pesquisa coordenada pelo professor Mário Scheffer, da FMUSP (Faculdade de Medicina) e antecipada para o UOL. No período de seis anos, foram 77 mil ações judiciais na primeira instância.

Na segunda instância, houve um crescimento de 146%, subindo de 4.823 em 2011 para 11.377 em 2016. No total, em seis anos foram 58.512 ações nessa instância.

O maior problema que está indo para a Justiça – e acho isso dramático – é a negativa de atendimento e a exclusão de cobertura de vários tipos. Geralmente são os atendimentos mais caros, de maior custo."

Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP

"A judicialização é uma amostra do que está acontecendo, dos abusos praticados de forma constante e cada vez mais."

No período analisado, o número de usuários de plano de saúde no Estado praticamente se manteve estável. Em setembro de 2016, 17,8 milhões de paulistas tinham plano de saúde --apenas 300 mil a mais que em 2011.

Isso significa que as ações na Justiça não aumentaram devido a um crescimento do número de usuários, mas sim da quantidade de reclamações.

Recorrer à Justiça com a mãe na UTI


Em 2016, José Rodrigues, 71, descobriu que o plano de sua mãe, Maria Anunciação Rodrigues, 87, não cobriria um "stent" necessário para tratar uma deficiência cardíaca que dois dias antes lhe havia ocasionado um derrame pulmonar.

Maria estava na UTI em São Bernardo do Campo, quando seu filho recebeu a negativa do plano de saúde.

Como uma pessoa com 20 e tantos anos de plano de repente pode ser contemplada com uma conta de mais de R$ 20 mil por um stent? O plano que era top de linha de repente agora não cobre? Como é que pode isso?"

José Rodrigues entrou com uma liminar para o plano pagar o stent, que foi implantado, e depois de 15 dias sua mãe voltou para casa. Ele ganhou em primeira instância, a operadora de saúde recorreu e a ação segue na segunda instância.

A história de Maria Anunciação Rodrigues reflete o tipo mais comum de problema levado à Justiça: a exclusão de cobertura representa 43,73% dos casos. A análise faz parte de um estudo anterior do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar e detalha 4 mil ações julgadas em segunda instância de 2013 e 2014 no Estado.

Cirurgias e tratamento de câncer no topo da lista


O aumento do valor dos planos de aposentados vem em segundo e responde por 27%. "Tem crescido o número de planos com rede credenciada insuficiente, poucos médicos, hospitais e laboratórios, por exemplo", ressalta o professor.



Entre os tipos de cobertura mais negados pelos planos de saúde e questionados na Justiça, estão as cirurgias ou materiais necessários à cirurgia, com 34,28% das ações judiciais.

Internações e tratamentos para câncer como radioterapia e quimioterapia vêm em segundo lugar. Mas até mesmo exames, consultas e serviços como fisioterapia fazem parte do atendimento negado.

O que geralmente ocorre é que no momento de necessidade, o paciente solicita uma liminar, o plano paga o procedimento e depois a decisão vai para a Justiça.

"É muito preocupante que questões de saúde, que são de grande relevância para a população como um todo, tenham que ser decididas em tribunais. Nem sempre o 'timing' da Justiça é o mesmo das doenças", frisa Florisval Meinão, presidente da AMP (Associação Paulista de Medicina).


Liminares favoráveis


A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), órgão regulador do setor, define um rol mínimo de cobertura que os planos são obrigados a cobrir.

"Muitas vezes esse rol não contempla vários desses procedimentos novos e vários com medicamentos onerosos. Aí é que está o conflito, porque o médico ele tem um compromisso com o seu paciente, não com o plano de saúde", diz. "Portanto, ele prescreve de maneira autônoma aquilo que ele considera pertinente", explica Meinão.
Na amostragem da segunda instância, para onde vão os processos em que a prestadora de serviços recorre, os usuários são vencedores na maioria das ações: 92,4%. A causa é ganha pelos pacientes com acolhimento integral dos pedidos (muitas vezes incluindo reparações por danos morais pela espera) em 88%.

Apenas em 7,4% dos casos o paciente foi obrigado a pagar a conta.

O caminho judicial acaba sendo um caminho buscado fora da regulamentação comum, feita pela ANS.

As reclamações na ANS em todo o Brasil, por exemplo, mais que dobraram em cinco anos. Foram de 49.991 em 2011 para 101.903 em 2015. Em 2016, os dados até setembro mostram 66.547 reclamações.

A agência nacional diz que tem implementando diversas medidas para ampliar a qualidade do serviço e, assim, reduzir os casos de discordância entre usuário e planos. Entre as ações está a Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), uma ferramenta de mediação de conflitos entre beneficiários e operadoras, cujo índice de resolução em 2016 ficou acima de 90%, afirma a ANS.

'Advogados de porta de hospital'


Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), aponta a judicialização como um processo que ocorre em todas as áreas da sociedade brasileira e deve ser combatido por meio de acordos com as operadoras. "O que cresceu foi a indústria da judicialização e os advogados de porta de hospital", afirma. "No ano passado, com a própria ANS, conseguimos reduzir o número de reclamações", diz.

Além dos casos em que os usuários têm razão em buscar seus direitos, Ramos lembra que também há fraudes como a máfia das órteses e próteses e 120 ações que estão sendo investigadas pela Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo por apresentarem semelhança em ações solicitando operação de hérnia com mesmo hospital e mesmos advogados.

"Essas liminares falando que se não fizer o procedimento morre são mentira", ressalta. "Nenhum juiz quer ir para a casa dormir se tem um laudo, às vezes falso, de um médico dizendo que a pessoa vai morrer no outro dia", diz.

O presidente da AMP também defende que haja mais acordos. "Penso que se tem que buscar negociações prévias antes de se recorrer à Justiça", diz Meinão.

Ponta do iceberg


Os casos estudados são apenas aqueles em que os pacientes sentem necessidade de entrar na Justiça. Outra situação recorrente é que frente à negação de um tratamento, os pacientes recorrem ao SUS (Sistema Único de Saúde).

Pesquisa Datafolha encomendada em 2015 pela APM mostrou que 20% dos usuários de planos no Estado de São Paulo recorriam ao SUS quando tinham problemas com seus planos.

A pesquisa abrangeu o período de 2013 a 2015, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Os planos deveriam ressarcir o SUS pelos atendimentos realizados por usuários de planos no sistema público. "O SUS recupera muito pouco porque é uma regra muito complexa, tem o recurso das operadoras, só pode ser ressarcido aquilo que está no contrato do plano, são vários obstáculos", diz Scheffer.

Segundo a ANS, de 2001 a novembro de 2016 foram identificados 2 milhões de atendimentos realizados por beneficiários de planos de saúde no SUS passíveis de cobrança, totalizando a mais de R$ 3,2 bilhões. Deste montante, R$ 1,4 bilhão (43,6%) foram pagos e repassados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) do Ministério da Saúde. O restante corresponde à dívida dos planos.

Fonte: Paula Moura, do UOL